No programa, produtores de biocombustíveis terão notas de eficiência energética e, com base nessas notas, emitirão créditos a serem comercializados em bolsa de valores, os chamados CBios. Já distribuidoras terão metas de descarbonização individuais – desdobradas a partir de suas participações de mercado e de uma média decenal – e precisarão comprar esses créditos para cumprir a exigência.
A questão é que cada elemento dessa intricada nova rede entre usinas, distribuidoras, governo e mercado de capitais precisará de regulações próprias e de uma grande dose de cálculos para que o programa possa entrar em prática.
Em entrevista ao site novacana.com, o diretor do Departamento de Combustíveis Renováveis do Ministério de Minas e Energia (MME), Miguel Ivan Lacerda, afirmou acreditar que o primeiro decreto para regulamentação do RenovaBio deva sair do MME até 31 de janeiro.
“A gente já elaborou o decreto. Ele já saiu da Secretaria de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis e está no departamento jurídico do MME”. Fizemos uma reunião com o Ministério da Fazenda e estamos falando com os membros do governo. Então, o decreto deve sair do MME ainda este mês”.
O documento versa sobre as metas do RenovaBio e sobre o modelo econômico que será necessário para o cálculo das metas – e que representa um dos mais complexos elementos do programa.
Segundo Lacerda, o decreto cria um comitê hierarquicamente abaixo do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), o qual fará uma análise técnica sobre o tema.
Para isso, serão utilizadas duas ferramentas principais: um sistema de equilíbrio parcial, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE); e um sistema dinâmico, desenvolvido pelo próprio MME. “[O sistema da] EPE ainda precisa de alguns ajustes, mas o nosso [do MME] não”, relata.
Ainda de acordo com Lacerda, o comitê irá analisar os resultados obtidos por essas duas ferramentas e, a partir disso, irá recomendar as metas de descarbonização para o CNPE. Ele ainda acrescenta que os modelos calcularão a meta decenal, que será posteriormente dividida em metas anuais.
Metas
Além de levar em conta diversas variáveis, a meta do RenovaBio é essencial para “segurar” todo o programa. Afinal, o objetivo decenal definirá os planejamentos de longo prazo do setor de biocombustíveis, pois determinará o tamanho do mercado a ser aberto aos renováveis.
Já as metas anuais – em conjunto com a oferta de biocombustíveis e as notas de eficiência energéticas das companhias – determinarão o sucesso (ou o fracasso) do mercado de CBios. Conforme Lacerda resume: “Com meta baixa, o CBio não vai valer quase nada; com meta alta, o CBio vale mais”.
A importância da meta para a sociedade fica ainda mais clara na colocação do coordenador-geral de etanol do Departamento de Combustíveis Renováveis do MME, Marlon Arraes Jardim Leal, dada durante um evento realizado no Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), em setembro. De acordo com ele, as metas funcionam como o motor do programa. “A gente quer entregar para a sociedade a melhor relação custo-benefício de segurança energética”, afirma.
Ele completa: “Trata-se de um programa que precisa de uma gestão e esta será baseada em um instrumento objetivo, que dê ao poder público a condição de analisar com critérios de transparência como será a condução e qual é o tamanho de abrangência desse programa”. Esse instrumento é o modelo econômico.
Acompanhamento
Segundo Leal, o modelo dará transparência aos critérios utilizados na elaboração das metas. “Ele precisa ser o instrumento de avaliação permanente dos impactos econômicos, sociais e ambientais da meta proposta. E ele também tem que ser o instrumento de avaliação e ratificação da meta que será imposta para o ano subsequente. Precisamos ter algo que continuamente nos ajude a fazer essa avaliação”, relata.
Conforme o coordenador, será definida uma ‘curva’ dos resultados esperados, a qual implicará em impactos econômicos, sociais e ambientais diversos. Eles vão desde os preços dos combustíveis e seu reflexo na inflação até a geração de emprego e renda, passando pela melhora na qualidade do ar e, claro, na redução das emissões de gases de efeito estufa.
“Dependendo da meta, vamos ter preços diferentes de CBio, que é o instrumento financeiro para a comprovação da meta. Para cada curva de descarbonização, serão diferentes valores para todos esses componentes que integram os impactos econômicos”, comenta.
Dessa forma, ele argumenta que há a necessidade de existirem balizadores para a definição da meta. Um exemplo serias restrições levando em conta o preço e a oferta média de combustíveis. “Existe um limite para o preço energético que a sociedade é capaz de pagar. Ela não pode ter o biocombustível a qualquer preço”, alega.
Objetivo e obrigação
De certa forma, no entanto, essa meta já está posta. Afinal, um ponto estabelecido pela lei do RenovaBio – e que deverá ser considerado no momento da elaboração das metas – são os compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris, assinado durante a COP-21. Isso envolve a participação de 18% de ‘bioenergia sustentável’ na matriz energética nacional, o que inclui etanol, etanol celulósico, biodiesel e a energia elétrica do bagaço de cana.
Segundo Lacerda, essa meta é desafiadora – mesmo representando uma manutenção da posição já ocupada pelos biocombustíveis. “A gente já ocupou 18%, mas, nos últimos anos, o que tem acontecido é uma queda. Para 2030, isso significa um crescimento muito grande na produção de biocombustíveis do país – biodiesel e etanol, principalmente”, garante.
“A gente tem uma limitação entre equilibrar o que a lei fala e o que é possível com menor impacto no sistema de biocombustível”, comenta, sugerindo que o desafio está em alcançar o volume de produção necessário sem causar efeitos indesejados. Dessa maneira, ele afirma que o foco passa a ser a capacidade total de produção de biocombustíveis, incluindo aspectos como o potencial de crescimento e o impacto nos preços dos combustíveis: “Temos que conciliar isso com o sistema que o MME desenvolveu, que cria a possibilidade para avaliarmos o melhor caminho”.
De acordo com o diretor, a meta de manutenção da participação de 18% da bioenergia na matriz energética já seria suficiente para tornar o mercado de CBios ‘superequilibrado’. Ainda assim, ele acredita que os certificados valerão ainda mais a pena quando se tornarem componentes de carteiras de investimento.
“Quando a pessoa física e os bancos de investimentos quiserem comprar CBios, eles garantem que a gente está fazendo a retenção de CO2 na atmosfera. Então, no futuro, a gente quer que o mercado de CBio não se restrinja aos contratos das distribuidoras”, aposta.
Dois anos
Lacerda também comentou algumas das mudanças que foram realizadas entre a proposição inicial da lei do RenovaBio – escrita para uma tramitação como Medida Provisória – e o texto que foi efetivamente sancionado pelo Presidente da República. A principal diferença estaria na organização do programa, uma vez que a tramitação pelo legislativo não permite o estabelecimento de mudanças organizacionais no executivo. Com isso, mais aspectos precisarão ser regulamentos do que o previsto inicialmente.
“Agora, temos que fazer uma estruturação por decreto e algumas normas serão difíceis de regulamentar. Mas, essencialmente, a lei não mudou muita coisa”, assegura.
Além disso, foi estabelecido um prazo maior para que o programa efetivamente entre em vigor. “A gente queria que esse prazo fosse ainda em 2018, mas a lei limita em seis meses para a [criação da] meta de descarbonização e em mais um ano e meio para a regulamentação do restante – isso significa que ainda temos dois anos até o RenovaBio entrar [em vigor]”, comenta.
Outra questão levantada por ele é que a ANP terá um acesso menor que o previsto em relação aos dados das usinas certificadas. De acordo com o diretor, essa questão não era essencial ao funcionamento do RenovaBio, mas seria um passo importante rumo à desburocratização nas autorizações da ANP.
O MME tem chamado atenção para a importância do modelo econômico desde antes do RenovaBio ser levado à Câmara dos Deputados. Em um evento realizado no Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE) em setembro – dois meses antes do projeto de lei ser protocolado –, Miguel Ivan Lacerda separou quatro aspectos essenciais para que o RenovaBio entre em prática.
Um deles é a RenovaCalc, essencial para o cálculo das notas a serem dadas às usinas para a emissão dos CBios. Além disso, seria necessário elaborar um conjunto de regulações em parceria com a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que fiscalizará o RenovaBio, e outro conjunto que estabeleça as regras do programa no mercado financeiro, determinando como será feito o comércio de CBios.
Em meio a tudo isso, estaria o modelo econômico, que traça o funcionamento do mercado de combustíveis brasileiro. A partir de aspectos econômicos, produtivos, energéticos e ambientais, ele calcula cenários a partir de determinadas premissas, calculando diferentes impactos de possíveis decisões do programa.
“Quando a gente sentou com os técnicos do Ministério da Fazenda, do Planejamento e da Casa Civil, eles pediram qual é o impacto para o consumidor, qual é o impacto inflacionário, qual é o impacto de renda, qual é o preço médio do CBio e o que acontece quando o petróleo for a 20 dólares”, relata Lacerda. De acordo com ele, na ocasião, uma versão preliminar da modelagem já foi capaz de simular esses cenários.
Por Renata Bossle - novacana.com